Segundo a última edição da Pesquisa Vigitel, conduzida pelo Ministério da Saúde, 11,3% dos brasileiros têm diagnóstico de depressão, percentual que sobe para 14% em pessoas do sexo feminino e cai para 7% entre as do sexo masculino. Além de fatores genéticos, hereditários, químicos e ambientais, as alterações hormonais também estão associadas à depressão na mulher.
Um estudo publicado pelo Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) analisou a relação entre os fatores de risco para a depressão e os desajustes hormonais e metabólicos, que atuam diretamente na modulação do humor feminino.
A pesquisa comprovou que quando os níveis hormonais estão em desequilíbrio, há uma disfunção estrutural nas reações fisiológicas, desencadeando sintomas típicos da depressão, como mudanças de humor, fadiga, distúrbios do sono, baixa libido, falta de motivação, entre outros.
“O grande problema é que nem sempre os níveis hormonais da mulher passam por avaliações. O médico receita psicofármacos sem considerar que estes sintomas também podem ser decorrentes de disfunções hormonais. Ou seja, as medicações podem atenuar o quadro depressivo, mas o tratamento será comprometido, caso a raiz do problema seja hormonal”, afirma a psiquiatra Danielle H. Admoni, preceptora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Quais alterações hormonais comprometem a saúde mental
O sistema endócrino é formado por glândulas que produzem e secretam hormônios, substâncias químicas responsáveis por regular diversos processos no organismo, que vão desde a fome até a libido.
“O problema é quando há desregulação na produção dos hormônios, a exemplo do envelhecimento ou da menopausa, fases em que o corpo passa a produzir menos hormônios”, afirma Claudia Chang, pós-doutora em endocrinologia e metabologia pela USP, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e coordenadora e professora da pós-graduação em Endocrinologia do Instituto Superior de Medicina (ISMD).
Das centenas de hormônios que o corpo produz, confira aqueles que podem causar sintomas de transtornos depressivos quando estão desequilibrados:
Tireoide
A tireoide é uma glândula situada na parte anterior de nosso pescoço, responsável pela produção dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina). Além de controlar o metabolismo, produz uma série de neurotransmissores, como dopamina, serotonina e GABA (ácido gama-aminobutírico), todos envolvidos na regulação do humor. A disfunção tireoidiana faz com que a glândula produza menos hormônio (hipotireoidismo) ou mais hormônio (hipertireoidismo).
No caso do hipotireoidismo, a baixa produção hormonal gera sintomas como cansaço, sonolência, ganho de peso e falta de ânimo. Já o aumento da produção dos hormônios no hipertireoidismo causa aceleração dos batimentos cardíacos, perda de peso, ansiedade e insônia. “Nas duas condições, há também quadros de irritabilidade, mudanças repentinas de humor e fadiga crônica”, diz Claudia Chang.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a disfunção tireoidiana está diretamente ligada a um terço de todas as depressões, sendo o hipotireoidismo a causa mais comum da doença, atingindo cerca de 50% das mulheres.
Estrogênio/Estradiol
Também chamado de estrógeno, o estrogênio é secretado principalmente nos ovários, mas também é produzido em outras partes do corpo, como nas glândulas adrenais. Já o estradiol é produzido nas células dos tecidos ovarianos por ação de outro hormônio, o folículo estimulante (FSH). O estradiol é a principal forma de estrogênio presente nos anos reprodutivos da mulher.
Segundo um estudo publicado na revista Menopause, da Sociedade da Menopausa da América do Norte (NAMS), estes hormônios reprodutivos desempenham um papel importante no risco de depressão entre as mulheres, principalmente na menopausa, quando os níveis hormonais diminuem.
De acordo com a pesquisa publicada no periódico médico Menopause Review Przeglad Menopauzalny, cerca de 80% das mulheres sofrem com um ou vários sintomas da menopausa. Os fatores psicológicos e fisiológicos mais relacionados com a menopausa envolvem nervosismo, insônia, irritabilidade, alteração de humor, labilidade emocional, problemas de memória, ondas de calor, diminuição da libido e predisposição ao estresse.
“Nesta fase, a queda da produção de estrogênio/estradiol gera uma sobrecarga fisiológica e emocional, favorecendo os quadros depressivos”, reforça Carlos Moraes, ginecologista e obstetra pela Santa Casa/SP, Membro da FEBRASGO, especialista em Perinatologia pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, em Infertilidade pela FEBRASGO e médico nos hospitais Albert Einstein, São Luiz e Pro Matre.
Além disso, segundo ele, quando a perimenopausa (fase com maiores alterações hormonais) se prolonga além do período normal, a vulnerabilidade da mulher aumenta, e o risco de desenvolver depressão é maior. Em mulheres que já tiveram depressão, o transtorno pode retornar.
“Embora a reposição hormonal seja a melhor estratégia do ponto de vista farmacológico, nem todas as mulheres têm indicação ou podem fazer uso da reposição. Alguns aspectos precisam ser observados, como a via de administração hormonal, as doses e os tipos dos hormônios. Tudo isso tem influência nos riscos e na resposta ao tratamento”, aponta Carlos Moraes.
Cortisol
Conhecido como o hormônio do “estresse” ou da “luta ou fuga”, o cortisol é um esteroide produzido pelo córtex adrenal, dentro da glândula adrenal, localizada na parte superior dos rins. Sua liberação ocorre em resposta às situações de estresse e quando há baixa concentração de glicose no sangue.
Segundo pesquisa da Faculdade de Farmácia da UniRV, em níveis normais, o cortisol é essencial para a sensação de bem-estar, tendo papel fundamental como regulador do sono. Mas, quando desequilibrado, o cortisol pode causar cansaço, fraqueza, dificuldades de raciocínio e aprendizagem, compulsões alimentares, diminuição da imunidade, além de sinalizar doenças como depressão.
Outra pesquisa da USP mostra que em pacientes deprimidos o Hipotálamo Hipófise-Adrenal pode estar alterado, apresentando sua atividade aumentada ou diminuída. Ou seja, o eixo pode estar tanto em hiperatividade (níveis altos de cortisol) quanto em hipoatividade (níveis baixos de cortisol).
“Normalmente, quem tem altas concentrações de cortisol apresenta quadros de transtornos depressivos. Já a hipoatividade pode desencadear tanto uma depressão moderada como crônica”, diz a psiquiatra Danielle Admoni.
Segundo ela, entre as mulheres que já convivem com a depressão, o cortisol tende a atingir o pico no início da manhã e não diminui ao longo do dia. “Pelo contrário: novos picos podem ocorrer, e a disfunção de cortisol torna o corpo resistente aos seus efeitos positivos, agravando depressão, ansiedade e dificuldade de lidar com o estresse”.
Quais exames identificam a desordem hormonal
Por ter causas multifatoriais, a disfunção hormonal não costuma ser evidente. Daí a importância de fazer exames de sangue para saber o que está em desequilíbrio e qual o nível de descontrole para iniciar um protocolo de tratamento.
Os exames indicados são as dosagens de:
Hormônio Folículo Estimulante (FSH)
Hormônio Luteinizante (LH)
Hormônio tireoestimulante (TSH)
Estradiol (E2)
Prolactina
Hormônio paratireoidiano
T3 total e T4 livre
Cortisol
“Quando se verifica os hormônios como parte de uma avaliação abrangente, é possível entender a associação com os sintomas de depressão e partir para um tratamento adequado ao seu diagnóstico”, finaliza Danielle Admoni.
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